sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Eu e Tu: A Alquimia dos Relacionamentos

Atualmente, tenho pensado na psicoterapia como uma arte do encontro humano. Entretanto este encontro, vivo e verdadeiro, acontece para além da psicoterapia. Quando duas pessoas verdadeiramente conseguem se encontrar, acolhendo sua igualdade na diversidade, a transformação, o crescimento acontece. Para falar deste tipo de relação vamos utilizar o suporte do autor e filósofo Buber. Martim Buber foi um filósofo judeu alemão que escreveu uma obra fantástica, leitura recomendada a todos: o livro "Eu e Tu", uma grande obra, um convite ao relacionamento humano vivo e verdadeiro.

Buber nos ensina que há dois tipos de relações, as relações Eu-Isso e as relações Eu-Tu. As relações Eu-Isso acontecem quando nos relacionamos com a nossa perspectiva mais categórica, classificando, rotulando, significando o mundo, as experiências e as pessoas. Acabamos por reificar ou coisificar o mundo para que ele se torne passível de um interpretação, para que nós tenhamos alguma elaboração do que foi vivido. Sem este tipo de relação, jamais nenhum conhecimento seria possível, nunca saberíamos, por exemplo, que o dedo na tomada pode nos dar choque, nem jamais teríamos descoberto a eletricidade. O problema é quando passamos a tratar as pessoas e a vida como um Isso: a vida nada mais é que Isso, seja qual for o dogma ou interpretação. E o fulano? Lá vem ele, eu já sei que ele é Isso... Perdemos a magia, o encantamento, o desconhecido do Ser que se revela na relação viva com a vida.

As relações Eu-Tu, por sua vez, acontecem quando estamos verdadeiramente abertos ao outro, ao mistério que ele pode representar... Eu-Tu é sempre um encontro, vivo, verdadeiro, significativo e transformador. Eu-Tu acontece quando não estamos julgando e rotulando, mas sim estamos abertos ao que o outro tem a dizer, a revelar, a expressar, abertos à magia do Ser e da Vida que se expressa através do outro. O mais interessante é que Buber nos trás a ideia de que Tu é sempre algo que nos faz abrir para a dimensão do encontro: assim, Tu podia ser, para o filósofo, outra pessoa, a natureza ou o sagrado.

Isto me faz pensar na perspectiva de Jung sobre o relacionamento. Para ele, a alquimia era capaz de simbolizar de maneira fantástica a jornada interior do Ser em direção a Si-mesmo. No entanto Jung também utilizava a alquimia para simbolizar o que acontecia no relacionamento humano. Quando duas personalidades reagiam, dizia ele, os dois se transformavam, atingindo níveis mais elevados de consciência, o que é a essência do processo terapêutico na sua abordagem clínica. Duas almas humanas se encontram, duas personalidades crescem e se transformam.

Voltando a Buber e a sua ideia de Tu como outro ser humano, como natureza e como sagrado: isto nos faz pensar sobre um simbolismo da sabedoria chinesa que é muito apreciado por nós, do qual sempre estamos falando mas cujo paralelo só foi percebido justamente num encontro com um amigo, Ricardo Ribeiro. 

A sabedoria chinesa dividia o ser humano e o cosmos em três dimensões: céu, terra e homem, conforme nos mostra, por exemplo, o livro Em busca de uma Psicologia do Despertar, de John Welwood. Também aprendemos sobre este simbolismo na escola de PAKUA, onde praticamos Tai Chi Chuan, com Mestre Lairton. Céu é a dimensão dos sonhos, da imaginação, da intuição, da fantasia e dos pensamentos. Terra é a dimensão do trabalho, dos resultados, do processo em devir, do exercício e da realização humana. E homem é a dimensão do coração, a dimensão humana por excelência, onde vivemos relacionamentos significativos e amorosos, a integração, a ponte, a comunhão. Assim, percebemos o paralelo de Buber e do simbolismo chinês: Tu como o relacionamento com a natureza(terra), como o relacionamento com o divino(céu) e como o relacionamento com outro ser humano(coração).

Assim, para viver nossa totalidade humana, devemos viver estas três dimensões em nós. Podemos viver a dimensão Terra: viver nossa profissão, nossos projetos, nosso trabalho, nosso caminho de realização e nossa relação contemplativa com a natureza, com uma vida plena e saudável, com exercícios físicos, alimentos vívidos e em contato com a natureza como nas praias, no mar, nas serras, nas águas das cachoeiras.

Podemos viver em nós também a dimensão do Céu: descobrir o sagrado em nós, o mistério desconhecido do qual fazemos parte, o sonho, a fantasia, a meditação, a arte, a música, a filosofia perene, a poesia e a dança. Viver um relacionamento mais profundo e mais espiritual com nosso verdadeiro Ser, descobrir o que Ele quer de nós, qual é a nossa missão, qual é o Sentido, o propósito mais profundo de nossas vidas.

E podemos investir a viver, por fim, a integração no coração: amar as pessoas, viver relações significativas e construtivas, investir no desenvolvimento pessoal e de nossa capacidade de amar e de nos relacionar com mais consciência. Viver o perdão, a cura e a libertação, viver o amor e a gratidão, aprender a nos conectar com nossa essência amorosa, nosso verdadeiro eu amoroso que habita em nosso coração. 

Sejamos Amor!

2 comentários:

  1. Sensacional, Pedrão!! O texto está instigante, com referências excelentes. E os três últimos parágrafos são uma síntese mto poderosa! Parabéns! :D

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