quinta-feira, 26 de julho de 2012

DIÁLOGO ENTRE A PSICOLOGIA E A ESPIRITUALIDADE - PARTE 01



DIÁLOGO ENTRE A PSICOLOGIA E A ESPIRITUALIDADE - PARTE 01

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INTRODUÇÃO

No século XX assistimos a grandes transformações no mundo, o que repercutiu, também, no campo científico, no modo como fazemos e pensamos a ciência. Talvez a maior transformação de todas seja o desenvolvimento da Física Moderna, que já não é mais bem Física, estando além dela, num campo multidisciplinar de construção do saber. A atual concepção do que vem a ser um átomo, que, para além da partícula, também consiste em onda, campo, e, para além da matéria, também é energia, talvez seja a maior mudança de todas, uma revolução cujas consequências sequer atingiram o modo de pensar e fazer ciência de muitos pesquisadores, que escolheram permanecer utilizando modelos neo-positivistas e materialistas, unilaterais portanto, de construção do saber.

Acontece desta maneira também com a Psicologia. Seus caminhos tradicionais estão muitas vezes excessivamente ligado às manifestações comportamentais, o que é observável na dimensão do espaço, ou a questões que remetem a um passado biográfico, o que delimita uma espécie de prisão na dimensão do tempo. Caminhos que busquem pesquisar o que é a psique humana para além do espaço e para além do tempo ainda são desvalorizados pelo conhecimento tradicionalmente instituído em Psicologia, o que nos leva ao questionamento de como podemos nos fazer cientistas assumindo uma postura de pseudo-sábios detentores de um conhecimento final e acabado, verdadeiro em verdade final, dogma de fé científica inquestionável, e estar em desalinho com as mais recentes descobertas da ciência do próprio século XX. Caminhos novos abertos por pioneiros como Maslow, que deu início às Psicologias Humanistas e Transpessoais, e como Jung, que fundou a Psicologia Analítica, precisam ser melhor valorizados, principalmente no que diz respeito à abertura para o verdadeiro espírito científico, buscador, questionador, insatisfeito com os saberes estabelecidos e que apenas reforçam o status quo de nossa sociedade envenenada por sua falta de saúde mental e sanidade como um todo. Esperamos que o século XXI possa corrigir este atraso, e que possamos pensar uma nova forma de fazer e pensar Psicologia, atravessando nossos preconceitos mascarados de verdades estabelecidas, baluartes do conhecimento, marcos da estagnação que nos impedem de ter mais clareza do que vem a ser a psique humana e sua relação com todo o cosmos.

Este trabalho foi uma primeira organização de conteúdos relativos à temática da Psicologia Transpessoal e da Espiritualidade, que tive a oportunidade de organizar como trabalho final da disciplina de Psicologia e Espiritualidade, ministrada pelo professor doutor Gustavo Moura, a qual cursei no meu terceiro semestre, em 2009.1. Resolvi não fazer alterações muito significativas, com o intento de deixar aberta a possibilidade de percebermos a evolução do processo de escrita e, quiçá, da qualidade do conteúdo. Já fi publicado antes na internet, no sítio do COSMOS. Para o blog, ele foi dividido em três partes, com o intuito de facilitar a leitura. Nosso objetivo é que seja, em breve, o primeiro capítulo de um livro que pretendemos publicar.

Ao longo do texto, fazemos uma introdução ao vasto campo da Psicologia Transpessoal, sua visão de mundo e do humano, situando-a no contexto de conhecimento científico e também inserida na diversidade das ideias psicológicas. Abordamos a temática da espiritualidade, um assunto fundamental para a compreensão do que é Transpessoal, diferenciando espiritualidade das tradições religiosas instituídas. Trazemos para a discussão a compreensão importantíssima de Stanislav Grof sobre a consciência holotrópica, voltada para a totalidade. Também abordaremos a patologia social coletiva de estagnação e adaptação doentia a valores que nos fazem menores do que realmente somos, a Normose, temática abordada por Pierre Weil e seus colaboradores da UNIPAZ. Concluiremos com a esperança da Emergência Espiritual, de um novo paradigma de Ser Humano e de uma nova perspectiva de sociedade, que possa ser transformadora de nossas relações, de nossa forma de interagirmos com todo o universo e com a vida.


VISÃO DE MUNDO DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

O século XX, além de ter sido o palco de inúmeras batalhas militares, políticas e ideológicas, foi também o cenário onde diversos avanços, do ponto de vista das consequências das descobertas científicas, podem ser apontados. O mundo, no modo como foi compreendido pelos nossos antepassados, sofreu significativas modificações com o desenvolvimento da Física Moderna.

Nossa visão de mundo, antes baseada nos paradigmas de mecânica newtoniana, a qual chamamos Física Clássica, foi radicalmente transformada. De acordo com a teoria da relatividade, desenvolvida por Albert Einstein, o espaço passou a ser visto como não tridimensional e o tempo não mais constituiria uma entidade isolada. Ambos estariam vinculados como um continuum quadrimensional. A partir daí, todas as medições que envolvem noções de tempo e espaço perderiam seu caráter absoluto.

As descobertas da Física Moderna, no entanto, segundo Fritjof Capra (2006a), não seriam de natureza absolutamente inovadora, haja vista que muitos paralelos poderiam ser apontados com as tradicionais escolas de pensamento oriental, como por exemplo, o Budismo, o Hinduísmo e o Taoísmo, baseadas em suas práticas de caráter místico. “Tudo indica, então, que os místicos orientais e os físicos ocidentais passaram por experiências revolucionarias semelhantes.’’ (Capra, 2006a, p.47e48). As consequências deste modo novo de experimentar o universo, como um todo dinâmico e inseparável onde são relativizados os conceitos tradicionais de espaço, tempo, causa e efeito, poderiam ser profundas e incalculáveis.

Na empreitada de compreender os mistérios da vida, os seres humanos seguiram múltiplos caminhos diferentes e, ao que tudo indica, de alguma forma os caminhos da Física moderna e do misticismo oriental vêm sendo aproximados. Parece “que as teorias e modelos principais da Física moderna levam-nos a uma visão do mundo que é internamente consistente e está em perfeita harmonia com as concepções do misticismo oriental.’’ (Capra, 2006a, p.226).

A ciência não necessariamente precisa do misticismo, assim como o misticismo não precisa de ciência. Porém, se os conhecimentos científicos avançam com o objetivo de tornar a vida cada vez mais possível de ser realizada das melhores maneiras e se o misticismo propõe caminhos para a apreensão de um sentido mais profundo da vida, então o ser humano precisa de ambas as vias, e uma corroboração tem sido mais que provável ou possível, mas sim tem sido apontada e defendida como uma possibilidade válida. Segundo Capra,

“A nova física é uma parte integrante da nova visão de mundo que agora está emergindo em todas as ciências e na sociedade. Esta nova visão é ecológica e baseia-se, fundamentalmente, na consciência espiritual. Por conseguinte, não causa surpresa o fato de o paradigma, à medida que emerge na física e nas outras ciências, estar em harmonia com muitas das idéias das tradições espirituais.’’ (Capra, 2006a, p.242).

Compete, então, para os novos estudiosos tanto da consciência quanto da espiritualidade, conhecer mais profundamente o novo paradigma para que, contribuindo com sua fundamentação, seja possível, enfim, colaborar com as transformações no modo como vemos o mundo.


VISÃO DE HOMEM DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

Para tratar acerca da visão de homem intrínseca na perspectiva do novo paradigma, tomamos as perspectivas de David Bohm abordadas por Fritjof Capra (2006a) em seu “O Tao da Física”. David Bohm foi muito longe estudando cientificamente as relações possíveis entre consciência e matéria. Nosso mundo tridimensional, de sujeitos e objetos, tempo e espaço, segundo Bohm, apresentaria uma ordem explícita. No universo, porém, pano de fundo onde se desenvolve nossa experiência, deve haver uma ordem implícita, uma harmonia sutil e potencialmente infinita. Ele cunhou o conceito de holomovimento, um fenômeno dinâmico de onde procedem todas as formas de universo material. O objetivo de sua abordagem seria estudar esta ordem implícita neste holomovimento, ocupando-se não só estruturalmente dos objetos, mas também com a estrutura do movimento, levando em consideração a unidade e a natureza dinâmica do universo.

Em seu “O Livro Tibetano do Viver e do Morrer” (1999), Sogyal Rinpoche trás também contribuições para a apreensão das ideias de Bohm, segundo as quais a mente e o universo teriam estruturas semelhantes. Paralelamente à noção de ordem implícita e explícita, Bohm também imaginou o relacionamento entre mente e matéria por meio da noção de soma-significado, onde o que é físico e o seu significado, que é mental, não poderiam ser separados, constituindo dois aspectos da mesma realidade. “Para David Bohm, o universo manifesta três aspectos mutuamente implicados: matéria, energia e significado”. (Rinpoche, 1999, p.440)

Capra vai unir as perspectivas de Bohm com outras contribuições como a teoria do bootstrap de Geoffrey Chew, que consistiria, grosso modo, em perceber na estrutura interna dos quarks (partículas subatômicas) uma ordem no estado de interligação dos processos subatômicos, ou seja, é como se houvesse uma ordem subatômica que torna as partículas ligadas de uma determinada maneira e não de outra. Bohm e Chew, portanto, teriam elaborado contribuições nas quais estaria implícita uma noção de ordem, e poderiam reconhecer que a consciência seria um aspecto essencial do universo. Capra diz que uma futura teoria dos fenômenos físicos deveria perceber o universo desta forma. “Essa futura teoria poderá muito bem surgir da fusão das teorias de Bohm e Chew, que representam dois dos mais imaginativos e filosoficamente profundos acessos à realidade física.” (Capra, 2006a, p.239).

Na concepção de homem elaborada por este novo paradigma teríamos uma ampla gama de consequências sociais. Em seu livro “Pertencendo ao Universo”, Capra (2006b) comenta que as ciências de relevância social, como a Medicina, a Psicologia, a Pedagogia, a Economia, têm por desafio resolver graves problemas da sociedade, e, para ele, “somente um tipo de ciência baseado no novo paradigma será capaz de resolvê-los”. (Capra, 2006b, p.149). Fritjof Capra traz, então, a discussão de uma espiritualidade com responsabilidade social, onde ele diz que a espiritualidade tem de fluir para dentro de nossas vidas cotidianas. Com uma base de sustentação na espiritualidade, a Medicina talvez pudesse encarar a saúde como uma totalidade de mente e de corpo, a Economia pensaria na sociedade inextricavelmente ligada à sustentabilidade ecológica, a Psicologia teria sua atuação pautada em novas práticas, consoante uma visão mais ampla do humano, e a Pedagogia pautaria sua educação em novos valores. Apontamos Capra como citação quando ele diz:

“A mudança de visão de mundo que está ocorrendo atualmente terá de incluir uma profunda mudança de valores; na verdade, uma completa mudança de sentimentos – da intenção de dominar e de controlar a natureza para uma atitude de cooperação e de não violência. Essa atitude é profundamente ecológica, e não surpreende que seja o comportamento característico das tradições espiritualistas. Os sábios chineses de antigamente expressavam-na maravilhosamente: “Aqueles que seguem a ordem natural fluem na corrente do Tao”.” (Capra, 2006a, p.248).


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