domingo, 30 de junho de 2013

No olho do furacão habita o silêncio



Nestes tempos turbulentos que estamos vivenciando coletivamente, não me sinto inspirado a escrever sobre minha posição específica como pessoa. Minha meta ou missão de vida é buscar ser, na medida do impossível, um canal para uma visão holística, uma visão a partir do mais profundo, a partir da totalidade. Falo que é na medida do impossível pois também sei que minha forma de apreender isto apresenta seus limites, haja vista que eu sou também um. 

É como se eu quisesse explicar o mistério da vida com palavras, que difícil missão esta seria. Primeiro que eu não o entendo, segundo que quando se traduz em palavras o verdadeiro insondável acaba escapando. É como tentar falar do Amor que é Infinito a partir do aspecto finito que é minha vivencia atual. 

Mesmo assim, não me permito manter-me em silêncio diante de tudo o que está acontecendo, ainda que seja difícil de elaborar o que tenho a dizer disso tudo. Manifestações políticas sacodem o Brasil, as pessoas querem transformações, sinto um clima de tensão envolvendo a vida de muitos, com muitas perdas, processos de luto, desorganização, reorientação. É como se este ano estivesse sendo de grande provação a muitos, muitos de nós. 

Não é minha competência falar de transformações exteriores, sociais, nem tampouco negar sua possibilidade. Minha especialidade de vida é a espiritualidade e a transformação da consciência. É como se eu me preocupasse primeiro com o trabalho interior de autotransformação. Explico-me: não que eu não acredite em uma transformação exterior, apenas não acredito que ela possa acontecer sem transformação interior. Segundo o principio da sincronicidade de Jung, o que está dentro é como o que está fora. As condições se modificam externamente quando também se modificam interiormente, na consciência humana.

Caso mudemos nossa realidade exterior sem modificar o interior, em pouco tempo as "novas" estruturas apenas se tornam reconfigurações das estruturas anteriores, mudando apenas de nome. Vale, então, perguntar: o que realmente queremos? Qual a vida que queremos viver? E, principalmente, estou fazendo a minha parte para que a transformação aconteça, ou só cobrando dos outros, pais, estado, igrejas, esquerda, direita, etc.? A verdadeira transformação, defendemos, somente pode acontecer na consciência de cada um, vivendo os valores mais elevados possíveis, buscando um processo de humanização, de autoconhecimento, de realização do Verdadeiro Ser.

Assim sendo, a imagem que me ocorre é a do olho de um furacão, para explicar como vejo a sutileza do momento. O furacão avança com seu poder destrutivo, sua força, seu poder, como a arquetípica divindade hindu da destruição, Shiva. Mas, bem no centro, esta o olho do furacão, a quietude que pode representar o que está para além do movimento. 

Quando nos movimentamos a partir do ego, às vezes dominados e cegos por imagens arquetípicas que nos atravessam, somente geramos dissociação, sofrimento, divisão, mal-estar, doença, dor e morte. Quando nos assentamos na quietude, no entanto, e olhamos no olho do furacão, que é nossas vidas, nossas perdas, nossas turbulências, podemos escutar no silêncio, ainda que a imagem seja paradoxal. É a partir desse escutar o silêncio, assentar na quietude, que pode surgir a ação criativa, inspirada pelo verdadeiro Ser. 

A filosofia chinesa usa o termo wu wei, não-ação, para expressar este acontecimento. Não-ação, wu wei, não significa não fazer nada, e sim agir a partir do nada fazer, a partir da ação inspirada, no fluxo da energia da própria natureza. É preciso cautela, cuidar do Ser, como cultivar um jardim até que as borboletas da transformação possam voltar a nos visitar. E é preciso agir, quando a ação inspirada vem, promovendo elos, construindo pontes onde antes só havia abismo, integrando as polaridades em divisão numa unidade que é um nível de consciência e de amor mais ampliado. O convite então é aquietar nossa mente, ouvir o chamado do silêncio, agir a partir do nosso ser mais profundo.




Um rio só


Na postagem anterior eu trouxe a imagem de dois rios, o amor e o medo. Nossa jornada de autorrealização estaria correndo entre estes dois rios, como duas escolhas possíveis de fazer, uma delas nos aproximando da meta, realizar nosso Verdadeiro Ser, outra delas nos afastando da meta, fortalecendo nosso ego, a divisão, a dissociação em nós.

Hoje quero trazer uma outra imagem, a do processo de realização do Ser como sendo um rio só, que caminha irremediavelmente para o mar, a meta. Isso não significa que a imagem anterior seja mentira ou verdade, nem que esta seja mais verdadeira ou mais falsa. Isso significa apenas que o paradoxo do nosso verdadeiro Ser é um mistério insondável. As imagens são apenas percepções limitadas que apontam para o que é ilimitado.

Nosso verdadeiro Ser é como um mar de infinitas possibilidades. Nós somos como as águas do rio, ora correndo, ora estagnando, ora mais fundo ora mais raso, desviando para a esquerda e para a direita, mas sempre tendo como objetivo percorrer a jornada em direção à meta, o mergulho no infinito oceano da realização.

A meta, o oceano, o Verdadeiro Ser de Amor Infinito é o que nós já somos. O rio já é o mar, o rio corre para o mar, o rio e o mar são o mistério do dois que na verdade é o UM. Nós já somos, em um nível mais profundo, aquilo que procuramos. Cabe a nós aproveitar o fluir da vida, os diferentes aspectos desta jornada, os diferentes momentos de aprendizado nas infinitas possibilidades de nosso Ser de Amor.