segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Transformar o sofrimento em Realização!

Encerrando este longo ano de 2013, há um antigo conto samurai que gostaria de compartilhar com vocês para iniciarmos nosso diálogo de hoje.

Na velha China, contava-se que um samurai, depois de ter sido derrotado numa importante provação, vagou sem rumo pela floresta, apresentando ansiedade, pensamentos confusos, enfurecido e sem querer aceitar a derrota.

Em certo momento, ele parou frente a um lago que encontrou no seu caminho e lançou violentamente uma pedra contra as suas águas, que se agitaram violentamente. O samurai ainda com raiva e ressentido, percebeu algo e refletiu:

- “Mesmo ofendido e perturbado com a pedra a qual atirei, em instantes o lago recompôs sua serenidade, retornando a um estado de tranquilidade que talvez pareça maior que o inicial."
Guardando em seu coração o ocorrido, certa feita foi ter com seu velho mestre espiritual, com o qual pode compartilhar o ocorrido, ao que o mestre lhe respondeu: 

- “O Lago faz com que a pedra se perca na sua grandeza e profundidade, logo, é como se tivesse sido atingido por nada. O lago conserva em si o silêncio, e não as queixas. Eis o segredo de sua serenidade”. 
 
O Samurai curvou respeitosamente em gratidão para o mestre e declarou: 
- “Hoje aprendi um grande ensinamento com as águas silenciosas daquele lago”!


Certos momentos de nossa vida são desafiadores, e quando chegamos ao final do ano, tenho a certeza de que todos podem olhar para trás e perceber os muitos desafios os quais tiveram de enfrentar para chegar até aqui. Da mesma forma que o samurai, precisamos aprender a vivenciar momentos em que nossa mente possa silenciar através da total entrega, da música, da arte, da dança, da meditação, da oração, da contemplação da natureza, dos ensinamentos dos antigos mestres. Creio, porém, que o ensinamento mais precioso para o qual este velho conto aponta é o de que podemos transformar criativamente qualquer situação difícil em uma oportunidade de realização do nosso ser por inteiro, situação chamada pelo psicólogo Viktor Frankl de otimismo trágico. Frankl ressaltava que podemos transformar sofrimento em realização, na medida em que encontramos um sentido pelo qual viver.

Em nossa sociedade atual, muitas vezes somos puxados para fora de nós, para viver as necessidades de adaptação exterior. Porém, quando nos esquecemos de nossa alma, adoecemos. Fazemos isso muitas vezes procurando viver apenas o útil, o trabalho, a correria e todos os subprodutos de nossa mente lógica e racional. Esquecemos, no entanto, da nossa mente criativa, que está além do ego e da dimensão racional. Afastamo-nos daquilo que pode alimentar a alma sob o pretexto de que é inútil: é inútil a música, é inútil a poesia, é inútil a filosofia, é inútil a espiritualidade, é inútil a dança. E assim, aos poucos, vamos morrendo em vida, deixando de lado todas as coisas as quais mais amamos, as que alimentam nossa alma.

Jung afirmava que o ser humano de nosso tempo perdeu a capacidade de autorregulação psíquica, de naturalmente reequilibrar-se nas situações difíceis da vida. Queremos tudo para já, e, no entanto, a vida exige de nós que possamos aprender a paciência para deixar as sementes que plantamos amadurecer. Tudo que acontece sob o céu tem seu tempo e, quando aprendemos a nos sintonizar com as leis inconscientes da vida, como dizia Jung, podemos aprender a esperar o momento certo de tudo, e podemos aprender que os momentos difíceis da vida podem ser transformados em crescimento e realizações.

E o mais importante, talvez, seja encontrarmos um lugar em nós que independa de nossos momentos difíceis ou tranquilos, nosso centro. No contato com a nossa alma, aprendendo a escutar, a dialogar consigo mesmo, podemos aprender a guardar aquele silêncio do qual fala o mestre da nossa história, aprender a encontrar um sentido pelo qual viver, como dizia Frankl, transformando todas as dificuldades em incentivo para nossa realização. Podemos aprender a estar mais em contato conosco mesmos, descendo simbolicamente um tanto da cabeça para o coração, fazer a passagem da consciência de nosso eu limitado para nosso Ser ilimitado. Depois nos resta, mais uma vez, seguir nosso caminho. Aprendendo, ensinando, amando, caminhando, sendo o que se é.



Desejamos a você um excelente ano de 2014! 
Que seja repleto de realizações a partir de seu Verdadeiro Ser!
Que você possa seguir o fluxo de amor em seu coração!

domingo, 15 de dezembro de 2013

A Unidade Corpo e Psique



A mente de um sábio é aquela que vive na unidade, somático e psíquico, corpo e alma, numa sagrada ioga, numa unidade e totalidade. A palavra hindu ioga significa união, no ensinamento do Professor Hermógenes (s.d.). O mesmo podemos dizer de Tai Chi, termo chinês para união dos opostos. Muitos são os estudos da psicologia ocidental para estabelecer a relação entre mente e corpo, e escolas como a Bioenergética e a Gestalt apontam para a unidade psicossomática. Também estudos junguianos foram feitos no sentido de estudar a unidade entre corpo e psique.

O objetivo destas nossas breves considerações é estabelecer uma relação existente entre psique e corpo, tendo em vista que estas dimensões do ser humano são marcadamente constituídas quando ele encontra-se em relação, em sociedade. Assim, falamos que o ser humano possui uma multidimensionalidade que é corporal e biológica; social, cultural e histórica; psicológica, emocional e mental; e, também, simbólica, arquetípica, espiritual. Estamos propondo um ser bio-psico-socio-espiritual, acreditando que nenhuma destas dimensões pode ser excluída ao querermos analisar e compreender as multidimensões do fenômeno humano. Nós analisaremos esta multidimensionalidade a partir da interrelação corpo e espírito, formando estes dois, simbolicamente, uma totalidade, e, para isto, traremos considerações da Gestalt-terapia, da Psicologia Analítica e da Bioenergética.

A princípio, quando analisamos a unidade corpo-psique pela Gestalt-terapia, encontramos em PONCIANO (1994) que a relação terapêutica é uma relação que ocorre dentro da multidimensionalidade que são tanto o terapeuta como o cliente. Assim, terapeuta e cliente encontram-se tanto em suas dimensões corporais como psicológicas, trazendo também suas dimensões sociais e espirituais para a relação, uma totalidade humana indissociável. A relação se daria em todo um campo energético que envolveria dimensões visíveis e conscientes e também dimensões invisíveis e inconscientes. Para o autor, o corpo traria em si o inconsciente do paciente, através de uma linguagem corporal que expressaria aquilo que o cliente é, por mais que ele não tome consciência disso. Assim, para além de considerar o discurso, a fala, a dimensão consciente, a visão holística que busca a Gestalt-terapia pretende integrar também o corpo, na dimensão da terapia individual, e o grupo como um todo, na terapia de grupo, sendo que cada membro constituinte poderia servir de reflexo das dimensões inconscientes daquele cliente que está em terapia. O grupo funcionaria como um campo energético de multirrelações com o objetivo de trazer à luz da consciência aspectos até então inconscientes e dissociados. Nesta perspectiva, a doença seria a perda ou afrouxamento dos laços dinâmicos entre estas multidimensões do humano, e acura estaria na recuperação destes laços, o que faz do ser humano um amante, consciente ou inconsciente, de sua totalidade.

Para a Psicologia Analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung, corpo e psique são ambos dimensões do inconsciente. Segundo ZIMMERMANN (2009), o trabalho com a corporalidade pode ser uma forma de trazer à consciência aspectos do inconsciente, que se manifestam no corpo. Ao realizar um trabalho corporal como dança, Ioga, Tai Chi Chuan e tantas outras formas, são produzidos símbolos que tem como objetivo integrar consciente e inconsciente, corpo e psique, promovendo assim maior saúde e conexão com o processo de individuação, tornar-se um, integrar-se com a nossa totalidade. Quando isto não ocorre, o corpo expressa a dissociação e a doença na forma de sintomas. O corpo é capaz de carregar nossos estados afetivos, nossas vivencias, e conectar-se com o corpo é conectar-se também com o núcleo mais profundo da psique, ao qual Jung chamou de Self ou Si-mesmo. O Si-mesmo é psique e é corpo, e a integração do eu com o Si-mesmo, da nossa realidade mais superficial com nossas dimensões mais profundas, pode acontecer através deste diálogo do corpo com a psique, através da expressão corporal.

A Bioenergética é uma abordagem em Psicologia Transpessoal desenvolvida por Alexander Lowen, discípulo de Wilhelm Reich, a partir de estudos sobre a relação entre o corpo e a mente. Em seu “A função do orgasmo”, REICH (2004) postula que há no ser humano uma só energia, o orgônio, que se expressa na corporalidade e no psiquismo. Dizendo de outra forma, corpo e psique seriam expressões da mesma energia vital, a bioenergia. As emoções acumuladas, não vividas e não expressas, tenderiam a se acumular no corpo na forma de tensões, as chamadas couraças de caráter, que impedem o ser humano de se conectar com seu próprio fluxo de energia e de vida. O trabalho da bioenergética, segundo LOWEN (1984), seria combinar exercícios de movimento, meditação e respiração com o objetivo de dissolver estas tensões e restaurar o fluxo da vida, que acontece no corpo e se expressa como movimento, vibração, respiração profunda, flexibilidade, harmonia, leveza e graça. Este fluxo de bioenergia, ao ser restaurado, também encontra expressões cada vez mais elevadas na psique, se manifestando como maior criatividade, autoconhecimento, autoexpressão, afetividade, amor, prazer de viver, integridade e autorrealização.

Seja qual for a abordagem, muitos trabalhos nos mostram que corpo e psique são um só, que a totalidade humana pode ser almejada e passo a passo conquistada através da vivência corporal, com seus afetos, símbolos, com sua energia que pode fazer de nós seres humanos mais vibrantes e realizados, mais integrados e em conexão com a vida. 

Concluímos, então, incentivando nossos irmão de caminhada a cuidar do corpo, nosso templo, nossa casa, onde habita nossa energia de vida. Incentivamos práticas como a dança, as artes marciais, os esportes, principalmente em contato com a natureza, além de práticas respiratórias e meditativas como a Ioga e o Tai Chi Chuan. Aproveite: cuidar de si é cultivar a própria qualidade de vida!



Referências Bibliográficas
HERMÓGENES, José. Autoperfeição com Hatha Yoga. Rio de Janeiro: Record, s.d.
LOWEN, Alexander. Prazer: Uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus, 1984.
PONCIANO RIBERIO, J. Gestalt-terapia, o processo grupal. São Paulo: Summus, 1994.
REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 2004.
ZIMMERMANN, Elisabeth. Corpo e Individuação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.