DIÁLOGO ENTRE A PSICOLOGIA E A ESPIRITUALIDADE - PARTE 03
EMERGÊNCIA ESPIRITUAL
A expressão “emergência espiritual” foi cunhada por Christina e
Stanislav Grof a partir de um jogo de palavras que têm por significado ao mesmo
tempo crise e oportunidade, como no ideograma chinês, sendo que a compreensão
aqui apontada faz referência à possibilidade de emergir, que Grof considera
como elevação a um nível superior de funcionamento psicológico e de consciência
espiritual. Acerca das crises espirituais, podemos citar diretamente Grof:
“Das crises
psicoespirituais das quais se permite seguir seu curso natural podem resultar
benefícios como melhor saúde psicossomática, maior prazer de viver, uma
estratégia de vida mais recompensadora e uma ampliada visão de mundo que inclui
a dimensão espiritual de existência. (...) Não é exagero dizer que a conclusão
e a integração bem-sucedidas das crises espirituais podem levar o individuo a
um nível superior de evolução da consciência.” (Grof, 2000, p.142).
Como exemplo de crises psicoespirituais, podemos citar as crises
xamanísticas, onde há uma dolorosa iniciação que passa pela morte, ascensão a
regiões celestes e o retorno enquanto xamã noviço; temos as experiências com
vidas passadas, como memórias de encarnações anteriores; há as experiências de
quase-morte, em que há experiências como a revisão da própria vida, às vezes há
passagens por um túnel, o encontro com entidades queridas desencarnadas e com
guias espirituais, etc.; experiências com seres extraterrestres, renovações
psicológicas através do retorno ao centro, dentre outras possibilidades
vivenciais.
A crise psicoespiritual pode ser disparada por diversos meios, como a
exaustão física, uma experiência emocional traumática, experiências com
substancias psicodélicas ou até em uma sessão de psicoterapia experiencial.
É muito importante, ainda, não cair no erro de patologizar estudos
místicos ou glorificar estados psicóticos, o que nos faz atentar para o
importante diagnóstico diferencial entre psicose e emergência espiritual.
Podemos ter como ponto de partida um bom exame médico, que procure
desequilíbrios de natureza orgânica que necessitem tratamento médico. Depois,
um indicador importante é a atitude pessoal, sendo necessário à pessoa que
vivencia uma situação de emergência espiritual o reconhecimento de que se trata
de um processo interno, psíquico. Outro ótimo indicador é a articulação que a
pessoa tem em relação à experiência, apresentando os conteúdos mais
extraordinários de modo coerente e significativo.
Para o tratamento em uma situação de emergência espiritual devemos
primeiramente reconhecer que esses estudos não são patológicos, mas sim
resultados da dinâmica do psiquismo e, portanto, dotados de potenciais de cura
e de transformação. Neste processo, inclusive, poderemos ter de enfrentar a
morte e o renascimento espiritual, que, consoante cada cliente, pode dar-se
através de um processo mais ativo ou mais resistente, mas é sempre fundamental
a promoção de espaços e de pessoas capacitadas para ajudar no tratamento das
crises espirituais e, neste sentido, a psicologia transpessoal pode fornecer
uma base teórica para esse tipo de psicoterapia, com raízes numa perspectiva
que vislumbre, legitime e acolha a espiritualidade.
CONCLUSÕES MAIS SIGNIFICATIVAS
Estudar temáticas como os estados ampliados de consciência, a emergência
espiritual, as contribuições da espiritualidade para a Psicologia bem como os novos
paradigmas acerca de como podemos ver o ser humano e de como podemos dar um
significado para a vida, através de uma nova cosmovisão, são de alta relevância
para nossa vida humana e para os estudos que marcam a formação do profissional
em Psicologia, abrindo, para nós, um ou talvez muitos universos de
possibilidades diferentes de como compreender e direcionar o tratamento do
psiquismo humano.
A partir daqui, fazemos questão de ressaltar a completa interferência da
subjetividade que nos constitui na exposição do mais significativo nestes
estudos. Sob nosso ponto vista, o investimento na interface da Psicologia com a
Espiritualidade é obra ousada, haja vista o atual pouco reconhecimento da
academia sobre esta temática, grandiosa, pois estamos apenas começando a
enveredar por estes caminhos que muito têm por ser construídos, porém repleta
de beleza, de significado e de gratificação. Acreditamos que perspectivas como
as de Abraham Maslow, Viktor Frankl, Carl Jung, Stanislav Grof, dentre muitos
outros autores e precursores da “quarta força”, Psicologia Transpessoal, são de
imperativa promoção e desenvolvimento para que possamos, em nossa sociedade
dominada pelo consumismo, pela opressão do capital e pelos ditames de um
materialismo vazio, defender, promover e construir uma nova visão, onde ciência
e espiritualidade caminharão de mãos dadas.
Por mais que reconheçamos no materialismo e cientificismo modernos como
uma possibilidade de relacionamento com a vida, devemos ressaltar que a ciência
tem como objetivo promover o alívio do sofrimento humano no plano físico, o que
em parte tem obtido, ao menos historicamente, muito sucesso. Porém, somente com
a promoção de valores humanos que tenham por princípio e fim as qualidades do
coração podemos aliviar o sofrimento no sentido psíquico, que, para nós, entrelaça-se
com sofrimento espiritual.
Estudar a espiritualidade é dar um sentido para a morte e para a vida, é
aprender a morrer e a viver, é aprender a transformar e transformar-se,
renascendo como um ser cada vez mais preocupado em ajudar, cuidar, curar,
libertar e iluminar outros seres humanos, fazendo com que cada um tome as
rédeas de sua jornada de crescimento da consciência e de desenvolvimento e
realização espiritual.
Em seu “Livro Tibetano do Viver e
do Morrer”, Sogyal Rinpoche (1999), dentre muitas contribuições, propõe um
modo de pensar o ser humano em sua totalidade, e conseguir a realização da
natureza búdica da mente é compreender o universo, a mente e sua natureza, a
vida e a morte. Ele nos convoca, então, para a jornada de realização da
verdadeira natureza da mente, unindo sabedoria e compaixão a serviço de todo o
mundo. E pensar a partir desta perspectiva de totalidade, para nós, significa
vislumbra o ser humano como biológico, psicológico, social e espiritual, como
corpo e alma, finitude e infinito.
O íntimo relacionamento entre ciência e espiritualidade, como aponta o
Dalai Lama em seu “O universo em um átomo”,
é fundamental para a promoção do bem-estar da vida humana, e ele desafia a cada
um de nós a contribuir para que os laços entre as duas sejam de cada vez maior
proximidade. Fazemos nossas suas palavras quando ele escreve:
“Meu apelo é que levemos
nossa espiritualidade, toda a riqueza e a simples integridade de nossos valores
humanos básicos, a influenciar o curso da ciência e da direção da tecnologia da
sociedade humana. Em essência, a ciência e a espiritualidade, embora diferindo
em suas abordagens, têm em comum um mesmo fim, que é o aperfeiçoamento da
humanidade. Na sua melhor forma, a ciência é motivada por uma busca pelo
conhecimento que nos ajude a nos levar para um maior florescimento e
felicidade. Na linguagem budista, este tipo de ciência pode descrita como
sabedoria fundamentada na e temperada pela compaixão. Da mesma forma, a
espiritualidade é uma jornada humana até os nossos recursos internos, com a
finalidade de entender quem somos no sentido mais profundo e de descobrir como
viver de acordo com a melhor idéia possível. Isto, também, é a união da
sabedoria e compaixão.” (Dalai Lama, 2006, p.198).
Concluímos então estes passos de um longo caminho ainda por seguir com a
defesa de que a Psicologia e a Espiritualidade, juntas, ainda têm muito a
contribuir para a construção de uma vida humana com mais abundância,
felicidade, harmonia, plenitude, realização e significado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: um paralelo entre a física
moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 2006a.
_____________. Pertencendo ao Universo: explorações nas
fronteiras da ciência e da espiritualidade. São Paulo: Cultrix, 2006b.
DALAI LAMA. O universo em um átomo: o encontro da
ciência com a espiritualidade. Rio de janeiro: Ediouro, 2006.
GROF, Stanislav. Psicologia do Futuro, lições das pesquisas
modernas da consciência. Niterói, RJ: Heresis, 2000.
JUNG, Carl
Gustav. O Eu e o Inconsciente. Obras
completas de C. G. Jung vol. VII/2. Petrópolis, Vozes, 2008.
RINPOCHE,
Sogyal. O livro tibetano do viver e do
morrer. São Paulo: Talento, Palas Athena, 1999.
WEIL, Pierre. Normose: a patologia da normalidade /
Pierre Weil, Jean-Yves Leloup, Roberto Crema. – Campinas, SP: Verus Editora,
2003.
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