segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O valor da clínica numa visão Transpessoal



Escrevemos este texto com o objetivo de nos preparar para uma apresentação sobre o valor da terapia na visão da Psicologia Transpessoal, a quarta força em Psicologia, desenvolvida no final da década de sessenta por pioneiros como Maslow, Sutich, Fadiman, e que conta com a  participação de autores como Stanislav Grof, Pierre Weil, Alexander Lowen, dentre outros. Ressaltamos que parte do que aqui escrevemos é adaptado e atualizado de nosso livro "Sobre Psicologia e espiritualidade" (POSSIDONIO, 2013).

O nosso principal apontamento é que o objetivo de uma terapia transpessoal é viver uma vida plena de sentido e significado, viver relações significativas onde uma verdadeira conexão e crescimento possa ser estabelecida entre as pessoas, viver uma vida de plenitude, de satisfação, de comunhão com a natureza e com o universo. Acreditamos que, assim, o ser humano estaria realizando sua totalidade, vivendo laços cada vez mais significativos de amor, nosso verdadeiro Ser. 



A TOTALIDADE DO SER HUMANO



Há, na totalidade do Ser, a inteireza humana, o que é expresso na Psicologia Transpessoal em termos do pressuposto psico-somático-noético-pneumático, onde a totalidade do SER nos pode ser representada em suas dimensões psicológicas, corporais/materiais, existenciais e espirituais. Esta dimensão inclui o Mistério, com m maiúsculo, onde podemos apontar para o sagrado, para o Absoluto que nos ultrapassa, que nos transcende. Nestes pressupostos encontramos a autorrealização, e também, principalmente, a autotranscendência, ambas interconectadas como necessárias para se atingir a totalidade da realização humana. É no pressuposto do ser humano psico-somático-noético-pneumático que a dimensão espiritual do Ser pode ser integrada. Citamos o autor Roberto Crema, da UNIPAZ:



“Numa singela e bela lição, Buda perguntou a seus discípulos: “O que é o oposto da morte?”Com a mente binária, todos responderam: “Vida”. Ao que o mestre sentenciou: “Não; é o nascimento, pois a Vida é eterna!” E Cristo afirmava ser o doador de Vida, de Vida em abundância: “EU SOU o Caminho, eu sou a Verdade, eu sou a Vida”. Nosso composto trinitário existencial é atravessado pelo Mistério da Vida e, agora, estamos diante do pressuposto antropológico que dá guarida à vastidão do fenômeno humano: psico-somático-noético-Pneumático” (CREMA, 2002, p.33).



Roberto Crema continua sua exposição do profundamente humano nos falando das diversas estações do AMOR: segundo ele, “aprender a amar é a primeira e derradeira lição na escola da existência” (CREMA, 2002, p.35). 

Para ele há uma última direção e meta importante na visão Transpessoal que precisa ser apontada, pois em nós evoca a etapa suprema na arte de amar: o amor pneumático, transumano, transpessoal. É, para o autor, o amor em seu modo de ser ontológico, que é gratuito e incondicional, está além da forma, transbordando da profundidade do Ser. Amor, desta forma, é amor espiritual, por tudo o que existe e mais além, pelo que é transcendente. Amar, nesta perspectiva, é um estado de abertura da dimensão do coração, e de atenção, de cuidado, de acolhida e de escuta. É respeitar a totalidade que habita em nós, nos outros, na natureza, em todo o universo, e em tudo o que existe. “É o amor que transcende a criatura, o amor da fonte, o amor da Vida por Ela mesma” (CREMA, 2002, p.37).





A TERAPIA NUMA VISÃO TRANSPESSOAL



De acordo com Manoel Simão, a terapia de orientação Transpessoal visa promover ao cliente a possibilidade de ele se encontrar, o que pode consistir em mapear os seus “problemas” e a situá-los no ambiente social, cultural, familiar, profissional, afetivo, espiritual, etc., o que por si só já é altamente terapêutico e ainda possibilita a diminuição da ansiedade e a potencialização da autoconfiança, requisitos necessários e importantes ao início do processo de auto-cura. Isto porque, dentro desta perspectiva, é a psique quem se cura, através de seus mecanismos de busca do próprio equilíbrio.

O terapeuta que situa suas práticas dentro desta nova abordagem deve ser encarado como um facilitador, que acompanha amorosamente o desenvolvimento psicoespiritual de seus clientes, como se faz, metaforicamente, ao apresentar o solo correto para que possam florescer os botões em um jardim. Ou como na metáfora de um guia que conduz o viajante sem apontar qual é o caminho correto, deixando que ele siga o seu próprio processo, cuidando para que a jornada seja significativa.

Na terapia Transpessoal, nosso dever consistiria, segundo o autor, em conscientizar os clientes acerca da sua natureza e a extensão do seu desalinho emocional, bem como pontuar e passar informações sobre a possibilidade de desenvolver suas potencialidades e capacidades inatas, as acolhendo em seu incipiente surgimento, sendo estas formas trans-convencionais de ser, de recriar-se, de expressar-se, oferecendo recursos para viabilizar seu florescimento.

Para o autor, quando uma pessoa procura a terapia, quase sempre seu objetivo é a diminuição e até a eliminação de um estado de sofrimento decorrentes de dificuldades de ordem emocional e, acrescenta, espiritual. No caminho que faz para o interior de si mesma, ela tem a chance de adquirir mais conhecimento de seu verdadeiro modo de SER e de desenvolver-se como pessoa, buscando sua plenitude e realização

No contato consigo mesma, seja para descobrir os recursos pessoais para a evolução, seja para encarar seus “estados de consciência”, como sintomas ou processos defensivos, um guia ou orientador experiente apresenta-se como necessário. Ai está o que parece ser uma das funções básicas do trabalho terapêutico. Sabemos o quanto o acompanhamento de uma ajuda acolhedora e gentil, porém firme e determinada ao apontar para os aspectos corretos do processo é fundamental para que se possa executar os mergulhos nas profundezas do SER mais profundo de cada um de nós. 

De acordo com o artigo de Fátima Corga, “Psicologia Tranpessoal”, o que caracteriza um terapeuta transpessoal não é o seu conteúdo, mas sim o contexto. O conteúdo é determinado pela relação terapêutica em si, entre cliente e terapeuta, como, segundo ela, bem o estabeleceu Carl Rogers. Para a autora, um terapeuta transpessoal deve aprender a lidar com os problemas que emergem durante o processo terapêutico, incluindo acontecimentos mundanos, fatos biográficos e problemas existenciais e até espirituais. Contudo o que realmente define a orientação transpessoal é um modelo mais amplo da psique humana, que seja capaz de reconhecer a importância das dimensões espirituais e o potencial que esta dimensão apresenta para a evolução da consciência. 

O terapeuta transpessoal, assim, deve ser consciente do espectro total das experiências psíquicas de que é capaz o ser humano, deve ter vivenciado um processo interior e encontrado estas experiências com a consciência mais elevada, deve estar em uma busca constante de viver esta consciência, e deve sempre acompanhar o cliente em sua exploração de novos campos de experiências, quando há oportunidade, não importando qual o nível em que o processo terapêutico esteja focalizando.

O próprio Rogers, ainda segundo Fátima Corga, referiu-se muitas vezes em suas últimas obras às percepções transpessoais e fenômenos congêneres de estados sutis de consciência, e estabeleceu ele que estes são eventos observáveis e inerentes ao trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops:



“O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com que tenho tido contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns anos eu jamais empregaria estas palavras. Mas a extrema sabedoria do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase telepática, a sensação de que existe "algo mais", parecem exigir tais termos” (Rogers apud CORGA, in: “Psicologia Transpessoal”).



Ainda Rogers: “Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em alguns grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de alguns participantes. Um deles colocou de forma eloquente: "Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que havia uma comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o que isso seja. Senti sua presença sem as barreiras usuais do 'eu' e do 'você' - foi como uma experiência de meditação, quando me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência mais ampla, universal” (idem).



De certa forma, de acordo com a autora, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele elaborada, junto com seus colaboradores, estaria se desenvolvendo a ponto de incluir as dimensões transpessoais em seu arcabouço teórico, mas a sua morte o impediu de levar adiante seus insights:



“Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a importância da dimensão espiritual ou mística” (ROGERS, idem).




UMA CONCLUSÃO


Toda conclusão é sempre um recomeço, todo fim é sempre o principio, todo passo é sempre o primeiro passo, e, por isso, expressamos este momento como uma conclusão. Na verdade, no nosso ser mais profundo, não há começo, não há fim, só há este momento. Todo fim é recomeço, e todos os passos são passagem. Tudo o que existe é o caminho, o caminhante, o caminhar.

Ser terapeuta numa visão transpessoal é estar a serviço do verdadeiro Ser que habita em cada pessoa. Este nosso ser mais profundo se expressa em nossas vidas como amor, como uma expressão criativa, como mudanças significativas, transformações que levam a níveis mais elevados de saúde e cura. 

Ser terapeuta numa visão transpessoal é ser capaz de guiar o outro numa jornada de autodescoberta na qual terapeuta e cliente saem transformados, crescidos e acrescidos, aperfeiçoados em sua sensibilidade, em sua amorosidade e presença. 

Resgatar a totalidade, resgatar e desenvolver nosso potencial de amar, viver a vida como artistas da existência, como uma jornada de auto-descoberta, de auto expressão criativa da beleza do Ser, caminhando num processo contínuo de auto-transcendência, de conexão e comunhão, de autorrealização,  estes são os objetivos das jornadas terapêuticas numa visão transpessoal.






REFERÊNCIAS


CORGA, Fátima. Psicologia Transpessoal. Fonte: http://www.institutoluz.com.br/?p=artigo16. Acesso em 2011-02-18 às 15h45min.

CREMA, Roberto. ANTIGOS E NOVOS TERAPEUTAS. Abordagem transdisciplinar em terapia. Petrópolis: Vozes, 2002.

SIMÃO, Manoel. Psicologia Transpessoal e Espiritualidade. Artigo publicado na Revista Saúde - Universidade São Camilo Ano 34. Fonte: www.alubrat.org.br. Acesso em 2011-02-19 às 16h40min.

POSSIDONIO, P. Sobre Psicologia e espiritualidade. Fortaleza, s. e. 2013. Disponível em www.pedropossidonio.wix.com/terapeuta.

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